Procura-se um novo emprego

domingo, 5 de maio de 2013


A dr. Hannah, ou Professora, como as pessoas a chamavam, reuniu-se com seus oito pacientes. Trazia nas mãos canetas e papéis, e sentou-se em frente a eles, dando um bom-dia. Depois, solene, anunciou:

- Pessoal, agora já faz três meses que começamos a terapia. Pelo que eu pude ver, houve muitos progressos. O sr. Mel, por exemplo, parou de recitar noite e dia o código penal e a sra. Lola não envenena mais nossos pratos. Isso é muito bom, gente! Bem, nesse clima de vitória, vou propôr uma atividade em equipe. Quero me façam uma história, em dupla, sobre qualquer assunto. O prêmio será surpresa, mas garanto que valerá a pena. Vocês têm até o fim da sessão para terminar. Vou deixá-los sozinhos para pensarem.

Todos sorriram com a proposta. Qualquer coisa que ajudasse com a recuperação era sempre bem-vinda, assim eles poderiam ir embora logo. Os oito pacientes começaram a formar duplas, de acordo com o grau de afinidade na profissão. O advogado sentou-se com o ladrão, o monge com a bruxa, o palhaço com o pirata e o caipira com o índio. Embora não parecesse, as duas últimas também eram profissões: o caipira fingia-se de cego para mendigar e o índio animava parques. Quando pegaram suas folhas de papel, um burburinho de sussurros instalou-se.

- Certo. Sobre o que vamos escrever? - o ladrão perguntou ao advogado.

- Olha, eu tenho uma ideia. Podemos falar sobre um advogado que à noite é justiceiro e salva o mundo. 

- Péssima ideia. Vamos falar sobre uma quadrilha de ladrões no velho oeste.

- Não mesmo. Acho melhor não colocar nossos empregos no meio. Se bem que ser ladrão nem é emprego.

- Claro que é! É como ser político, só que mais honesto. 

- As pessoas não concordam com isso.

- Advogado que é o próprio diabo.

- Nem vem. Eu sempre livro a cara de tipos como você.

A discussão continuou, cada um dizendo no que era melhor que o outro. Do lado deles, o monge e a bruxa fizeram cara feia, mas ainda escreviam calmamente o seu texto, em perfeita harmonia. O palhaço e o pirata, na mesa do fundo, também brigavam: o palhaço queria uma história de humor, enquanto o pirata pensava numa de aventura. Os dois não percebiam que podiam muito bem usar as duas ideias, e estavam a ponto de trocarem socos. O caipira levantou-se para apartar a briga, porém saiu de perto quando o mandaram não importunar.

- Eu só queria ajudar, sô - disse ao índio.

O índio, despreocupado, colocou os pés na mesa.

- Ah, cara, fica quieto. É a primeira vez desde que vim para cá que a velha não nos enche com aquele papo zen. Eu sei que ela quer ajudar em nossa depressão pós-desemprego, mas cansa. Agora podemos ter um minutinho de lazer.

- Que lazer? Estão todos brigando.

- A bruxa e o monge não, acho até que já terminaram a atividade. 

- Não devíamos estar escrevendo também?

- Inventa algo, então. 

Na mesa do advogado o ladrão chorava:

- Ah, meu Deus, eu quero voltar pro meu trabalho! Preciso roubar alguma coisa! Sinto tanta falta disso...

- E eu quero voltar a alegrar as pessoas! O que a galinha foi fazer do outro lado da rua, hein, hein, hein?

- E eu? Vocês já pensaram em como é ruim não contar algumas inverdades no tribunal?

- Calem a boca, preciso de silêncio, silêncio!!

Mas não adiantava. O pânico tomou a sala. O advogado voltou a recitar o código penal e o ladrão começou a despregar os quadros da parede. O palhaço contava piadas, sem fôlego, enquanto seu parceiro pilhava as cadeiras e cantava canções de piratas. Até a bruxa deixara o conto de lado e retirava poções dos bolsos. O monge, meditando, estava alheio a tudo. Ele esquecera de como isso era bom.

Os únicos que conservavam-se do mesmo modo eram o índio e o caipira. Este, embora tivesse saudades das enganações que fazia, já estava quase bem; a Professora lhe dissera que sairia dali na próxima semana. O índio era descrente, e não ligava para nada, fora internado contra a sua vontade. Se as pessoas enlouqueceram novamente, pouco se lhe dava.

No fim da sessão, a Professora voltou e encontrou o caos.

- Oh... O que aconteceu aqui?

- Professora, queremos voltar ao trabalho! Por favor, por favor! 

- Vocês não podem! Estávamos indo tão bem! Vocês já estavam curando-se, vendo que a profissão que tinham não lhes fazia bem, e iam voltar para as ruas como cidadães sãos! Vejam como estão agora! Sr. Martinez, arrume as cadeiras! Sr. Julio, deixe os quadros em paz e...

- Ahhhhh!! Escutem minha piada, é muito engraçada: por que a galinha atravessou a rua? hahahaha. Digam, digam!

Na desordem, a maioria dos pacientes atravessou a porta e foi para o corredor, reclamando e gritando. A Professora ficou paralisada, embasbacada. No chão o monge repetia um mantra.

O caipira, hesitante, chamou a atenção da mulher:

- Professora, será que dá pra entregar a história depois?

(03-05-13)

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